A "subjetividade" da área de qualidade

Atuo na área de qualidade, ou seja, estou no final e ao mesmo tempo no meio da cadeia produtiva, e preciso aprovar e rejeitar o produto final e suas partes (peças). Sou Analista de Qualidade, e como lidamos com itens de qualidade muito subjetiva, como peças de acabamento interno e externo, preciso reunir o time para verificar se iremos aprovar ou rejeitar um item. Por exemplo:
Quando os inspetores de qualidade da área de auditoria final demeritam um veículo, precisamos analisar o item demeritado. Muitas vezes, o objecionado pelo inspetor não é um problema (pode ser uma pequena deformação, uma sujidade, um vinco, uma diferença de tonalidade, etc.), que pode estar nas especificações de engenharia e no desenho do comum acordo comercial entre cliente e fornecedor (seria excelente se tudo sempre estivesse nas especificações, mas esse é o mundo ideal, o mundo real não é assim).

Para não haver discussões desnecessárias, tudo deve estar dentro das especificações. Isso retira a subjetividade e garante a qualidade para o cliente, além de evitar percas de tempo.
Um exemplo que acontece com frequência: Um problema que sempre existiu, e que até então nunca tinha sido apontado (como um gap [abertura], um corte diferente na peça ou uma pequena mancha), passa a ser apontado e demeritado, nós da qualidade nos assustamos, porque sabemos que aquilo não afetará a visão do cliente final, que geralmente não tem a visão técnica que o pessoal da fábrica tem, e tampouco irá apontar este item como reclamação (feedback principal para a área de qualidade de uma fábrica - A VISÃO DO CLIENTE).
A verdade pura e simples é que isso acontece por conta da pressão interna, o time de inspeção marca o que acha que tem que marcar, porque precisa também mostrar serviço e atenção ao produto.
Quando isso acontece, a supervisão (que significa "Olhar de Cima"), deve orientar o time para uma inspeção prudente e condizente com a qualidade do produto final que estão analisando: qualquer problema deve ser apontado em uma Ferrari, mas não em um carro popular, de aproximadamente R$38.000,00 (nem a metade do preço de uma roda de uma Ferrari). O supervisor deve orientar o time a sempre focar nos padrões e nas tolerâncias estabelecidas entre Design e Engenharia, que deve mensurar toda a condição que a fábrica possui para produzir determinado produto com determinada qualidade e acompanhar constantemente o que está sendo liberado, de acordo com os indicadores de campo (ECB, EVB, mídia, etc.).
É claro que nós da qualidade também somos clientes, e sabemos que devemos sempre estabelecer a excelência na inspeção e mandar para o cliente o melhor produto que pudermos produzir, porque o cliente paga por isso! Pagamos por isso!
A questão é que chega um momento em que a excelência chega em um ponto legado, algo como 'tirar leite' de pedras, porque:
O investimento geral efetuado no processo de produção, nas máquinas, no suporte, na infra-estrutura, é limitado ao produto final (pode ser muito enxuto. com poucos colaboradores e rápido, focado em volume, ou com alta-tecnologia, pessoas altamente treinadas,  focado em qualidade [que pode significar também menor tempo de manufatura]).
Algumas linhas de produção em série são todas pensadas em direção à qualidade. Isso inevitavelmente aumenta o preço do produto final. No Brasil, não temos nenhuma fábrica que pensa de uma maneira puramente voltada à qualidade. Pode até pregar isso, mas uma fábrica que mantém "um chicote" sobre o pessoal de produção para atender o release, jamais tem a qualidade como algo intrínseco de sua cultura.
Somos pessoas, e não robôs. Precisamos de tempo variável para executar determinadas ações, principalmente quando tudo está na mão do homem: Qualquer fator externo pode afetar a qualidade do seu trabalho e de sua liberação.
A nossa cultura brasileira, focada em quantidade, em fazer o mais com o menos (o que também é muito bom), em sempre obedecer e nunca questionar, afeta um pouco a nossa qualidade. Ouço muito de fornecedores:
- "Isso não vai dar nada", "pode mandar", "não é problema"...
Estão preocupados com o prejuízo, não querem sucatear as suas peças, e as vezes querem fazer o cliente engolir a palo seco seus problemas.
Quando o problema já está nas mãos da qualidade final e o circuito já está contaminado, é necessário alinhar com o time a intensidade do problema, e também alinhar novos padrões para inspeção. Essa deve ser uma decisão gerencial. 
Os maiores problemas vem de fornecedores grandes, que "quarteirizam" seus serviços para sub-fornecedores que geralmente não tem condição de pagar um salário digno para o pessoal trabalhar com qualidade, e só querem atender ao release e não deixar faltar peças no cliente, mesmo que essas peças não montem.
Isso acontece porque é mais barato levar um Charge-Back e um demérito de qualidade do que de um demérito por logística, Supply-Chain e MP&L.
Já visitei fornecedor que não tinham nenhuma métrica de qualidade, apenas de entrega! O time de produção era apenas focado em Set-Up, quantidade e horários!
Os métodos científicos utilizados nos controles de produção e entrega DEVEM ser utilizado com prioridade para a qualidade! O que adianta produzirmos algo, trabalharmos feito animais e o resultado ser jogado no lixo? Rasgar dinheiro é prática comum por entre fornecedores, no que diz respeito à qualidade, e com isso alimentam o mercado das empresas de seleção e retrabalho, ramo que cresce muito no Brasil e que ganha dinheiro com a incompetência e negligência de muitas empresas que deixam o problema contaminar o cliente final.
Para explicar as aspas na palavra subjetividade no título deste post, digo que na área de qualidade, ela advém da subjetividade gerada pela falta de ordenamento dos processos, que não se atentam com os padrões e com a falta de condição para o bom trabalho do time. Subjetividade é empírico, e não deve existir em uma área que possui alinhamentos e especificações para se guiar.
Se você é da área de qualidade e possui problemas subjetivos, trabalhe para retirar a subjetividade e alinhar tolerâncias se necessário. Alinhe os seu time de manufatura à sempre focar nos padrões e manter a sua entrega sempre dentro do nominal das especificações, passando a utilizar os limites máximos e mínimos como um indicador, de que você precisa centralizar o seu processo.
O alvo deve ser a ciência de entregar no prazo, com um processo suficiente e que garanta SEMPRE a qualidade.

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