O Suicida

Ele não queria entrar para estatística. Ele não queria fazer parte de “apenas isso”. Não queria ser mais um em alguma coisa. A sua vida tinha mais valia que isso, percebeu.
- Mais valia como? Se a vida vale a pena ser vivida, porque eu quero ‘desistir’, me entregar desta maneira?
Percebeu que o que se passava era uma espécie de “pedido de socorro” que surgira de algo tão profundo dele mesmo, que a dificuldade em se questionar e refletir sobre esse sentimento foi iminente.
O curioso é que esta pessoa não tentou nada contra si mesmo. A não ser os pensamentos sobre o que seria tudo isso (que alguns chamariam de malignos, e outros, raros, talvez de algo divino, no sentido natural e não dogmático).
Divino por ser uma reflexão transcendente. Aquele seria um ponto sem retorno. Talvez não um ‘caminho sem volta’ ou algo explicável por meio de metáforas mundanas.
Renasceu. Não das cinzas ou algo já morto, porque vida não era o que faltava nesta pessoa. Sorrisos, carinhos e amizade nunca foi algo difícil para ele.
O suicida foi matando um pouco de si cada vez que cortava a própria carne da razão. Seu cerne. O que era dele por osmose ocorrida durante anos, nos ambientes que sempre comungou.
- Qual preconceito perdi hoje? Será que todos estão surdos? Que lógica é essa? Será que existe mesmo algo de natural nesta dita sociedade?
Nas artes, descobriu uma esquisita maneira de ‘celebrar o trágico’. Desta maneira o nervosismo não se fazia presente, porque um sentimento de esperança tomava o seu lugar. Percebeu que quando a informação era transmitida por ele com alegria, as pessoas não sentiam aquilo como vindo de “um reacionário”, ou apenas mais um indignado comum, querendo mudar alguma coisa.
Mudar alguma coisa? Não isso apenas. Mudar a lógica de ser gado que no verde avança e no vermelho para. Queria ver todos donos de si mesmo, literalmente.
Na música, desafinava, rasgando a voz de tristeza e indignação nos refrões, transmitindo diretamente o seu sentimento, com um canto belo e ‘torto’, que “cortava feito faca” a ‘carne’ daqueles que o davam ouvidos. Os incomodava, mas para algo bom, para o questionamento.
Viu que a autodestruição não era a sua sina, ou melhor, não acreditava em sina alguma. Ele estava vivo e precisava encarar isso. Ele não queria fugir dos problemas, principalmente do ‘problema da vida’. Percebeu que a vida precisava ser entendida, e não resolvida.


Continua.

Imagem:
Godwin Bradbeer
A Man Divided Against Himself 1996/2005

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