Liderar ou Adestrar

Hoje vivemos na era da alta velocidade da informação, na era do 'big data', na era das redes sociais... na era da dita 'liderança'.
Também vivemos na era da hipocrisia, na era da docilização. Na era dos eufemismos.
Liderar é verbo muito utilizado hodiernamente. Se verificarmos o uso do termo em inglês ('leadership') ao longo do tempo, como nos mostra o gráfico abaixo, percebemos que a guinada é praticamente exponencial:
Fonte: Google NGram Viewer (acessado em 13/12/2018)

Em todo lugar que consta o termo 'liderar', seja no idioma que for, percebemos que todo o assunto  trata o conceito como algo basilar ou de extrema importância para a construção do tema, seja em um livro, um artigo ou até mesmo um vídeo sobre liderança:

Fonte: Feed da rede social LinkedIn (acessado em 13/12/2018)

Na imagem acima percebemos um post de um vídeo realizado pela própria rede social LinkedIn a respeito de como liderar os chamados 'millennials', ou seja, pessoas nascidas pós ano 2000.
Basicamente, os millennials não trabalham bem um uma estrutura de hierarquia verticalizada e têm problemas com cobranças e concentração. Não irei abordar os 'porquês' desses ditos problemas. Claro que eles nasceram em uma época de estado de bem-estar social como nunca se viu, e a criação que receberam foi bem diferente da que as gerações anteriores receberam. Penso que foram criados de forma além do que podemos chamar de 'mimação', isso a respeito dos filhos das classes médias e acima.
A verdade é que o termo 'liderar' é frequentemente usado como eufemismo para docilização. Uma maneira moderna e menos direta de falar sobre adestramento de seres humanos, de mantê-los obedientes e perseguidores de cenouras, de mantê-los alinhados a um objetivo que não são o deles. Pay-check after pay-check way of life.
Os jovens de hoje percebem a ordem de um chefe como se fosse a ordem de seu pai. A visão do chefe, do lider, de seu superior é torpe porque ele foi servido a vida inteira. De alguma forma, agora, este precisa servir para viver. Precisa pôr a mesa. Precisa protocolar determinado documento a mando de seu superior. Precisa entregar aquele bloco do código de um aplicativo importante ao qual ele nunca usará. Precisa montar um veículo que ele não terá condições de comprar...
Outro ponto interessante da juventude atual, vejo que positivíssimo, é que a concepção de que a vida é única é mais clara e disseminada. Eles vivem o hoje, e querem, também, mais significação nas suas vidas. Não querem ficar em uma empresa até a aposentadoria: querem oxigênio, querem mudanças. Em áreas onde a criatividade é mais presente, como publicidade, jornalismo e I.T., o turn-over de jovens é mais constante, e é comum ver jovens "do trecho", aqueles que estão na estrada e pulam de emprego em emprego constantemente. A razão para isso pode ser várias, mas, a principal é o 'tesão': quando acaba, mudam de emprego. Não suportam rotinas e fazer a mesma coisa. Diferentemente das gerações anteriores, que são mais analíticas e concentradas, e por isso preferem a estabilidade de fazer a mesma coisa.
Parafraseando Foucault, onde há poder, há resistência. Essa tática de eufemismos e jogos de verdade amplamente utilizados hoje sofre constante melhoria e atualização justamente para que não exista resistência para nenhuma forma de poder dominante.
Como exemplo, podemos mostrar a derroga dos Direitos Trabalhistas no Brasil: há pobres hoje coniventes com as reformas atuais em sua totalidade, porque, justamente, o cidadão 'acha' que está sendo bem informado através de tudo que chega até ele em seu smartphone. Muitas vezes, nem são fake-news: são formas diferentes de se transmitir a mensagem. O leitor que não se concentra, não pondera e não reflete sobre aquela informação, a irá tomar como verdade, justamente porque ele tem como 'liderança', como ponta de lança, como confiável, o meio por onde recebeu tal informação.
Assim, também, ganhou-se eleições nos USA e, muito recentemente, no Brasil.
A velocidade como, não só os millennials, mas como nós passamos a processar as informações, mudou. E mudou por causa da internet. Imagine uma geração toda que está indo para o mercado de trabalho agora e que sua mídia principal vem pelo smartphone?
De certa forma, a geração atual sabe um pouco mais o que é o conforto, a liberdade do dinheiro e as vantagens de ser independente. Por essa razão nunca falou-se tanto sobre liderança: é preciso manter as pessoas em uma lógica que não é a que viveram em suas casas.
Gosto de pensar que os problemas da sociedade moderna são mais morais do que ideológicos ou políticos. A moral tem convergido, tem mudado muito. A pari passu também tem mudado e evoluído os meios de controle social.
Foucault veria o conceito de liderança como um dispositivo de controle social per-se.
O adestramento está embutido em nosso modus vivendi. A docilização vive em nós e nem mesmo percebemos. Isso é bom? Isso é ruim? Nosso papel é evidenciar, mostrar, apontar as ramificações do poder e como ele se traveste para continuar nas mesmas mãos e posições, de geração em geração. Quando verem algo sobre 'liderança', seja corporativa ou 'whatever', reflita.

Ps.: basicamente, liderar os mais jovens é eufemismo para 'adestrar' os mais jovens.

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