A Vitrine

Ele parou em frente a uma vitrine muito bonita. Nela, haviam alguns relógios masculinos com um cartaz escrito 'sale'. 'Sale' porque ele estava na Rodeo Drive, em Beverly Hills, fazendo um passeio com a família, e lá, além de ser lugar das melhores lojas de griffes do mundo todo, é também um roteiro turístico. No mesmo momento em que olhava aquele relógio de US$150,00 dólares, que estava ao lado de outro de US$2000,00, chegaram três garotas japonesas, turistas, e tiraram fotos com a mesma pose do manequim branco, que estava na ponta direita da vitrine. Era um manequim feminino, vestido com um chapéu vermelho, jóias, um casaco bonito nos ombros e um vestido meio xadrez, bem moldado ao corpo da boneca. Sem contar os sapatos, que tinham pedras que com seu valor, se poderia comprar um país pequeno.
As meninas estavam sorrindo muito, e não paravam de conversar em japonês, apontando cada detalhe do modelito do manequim. Cada uma delas tirou uma foto fazendo a mesma pose que o manequim. Achei engraçado. O relógio que eu ele estava olhando já não fazia mais importância (não ia comprá-lo mesmo). Olhou a sua volta, e diversas pessoas estavam fazendo a mesma coisa em outras vitrines. Alguns com Ferrari's, outros com bolsas da Louis Vuitton.

E se as vitrines não existissem? Ou, e se elas fossem as mesmas, mas se nós não déssemos tanta importância para elas? Penso: o que fariam todos aqueles turistas, que não podem ver um carro de luxo na rua sem apontar e dizer: "Olha, um Maserati!". Porque quando alguém tem algo que está nas vitrines, aquela pessoa também se torna uma. Talvez esse seja o cerne do consumo destes itens caros, que não levam a qualidade como primeiro estágio da justificação de seu preço, mas sim sua marca e o pedestal em que ela colocará quem a consumir.

Existe alguma marca que só os sábios utilizam? Ou alguma marca que só as pessoas bondosas, fraternas e puras de coração utilizam? E a marca dos amantes? Eu acho que não é a resposta para todas as perguntas.

Mas não falta muito para 'privatizarem' isso. Na propaganda de uma famosíssima loja de roupas, vi dois jovens se beijando (o homem se camisa, a moça com uma camiseta surrada, antiga e sem marca nenhuma), e escrito o nome 'HOLLISTER' em cima do beijo dos dois [?]. Em outra loja vi uma outra que tinha o homem sentado com uma caneta na boca (homem esse que moças ao meu lado jugaram como lindo). Nem a caneta que ele usava tinha alguma marca, mas na imagem existia no lado inferior esquerdo o nome Calvin Klein. Outra mostrava um vídeo com skatistas andando de skate em uma pista. Os caras não usavam nem camisa, estavam apenas a andar e fazer manobras, não tinha nenhuma 'marca' com eles. Mas o logo da Volcon não saia do lado inferior direito da tela. Será que se eu comprar uma camiseta com aquele diamante eu começarei a andar de skate?

Nos transformamos em vitrines independentes, cada um de nós. Não importa se você não anda de skate, usar VANS é legal. Se essas marcas tivessem a qualidade proporcional ao preço, seria um tremendo voto de confiança para o consumidor, mas sabemos que não é assim. Muitas vezes vendem coisas até irracionais, como jaquetas com tantos penduricalhos que só os fãs da marca compram (ou seja, pessoas extremamente alienadas que não dão valor ao dinheiro que têm).

Estamos no pior dos tempos, que todos estão cegos e ninguém quer dar ouvidos. Quando você fala algo desse tipo, você é o comunista escroto, o "do contra", o "babaca". Te perguntam: "Então por quê você usa isso? Por quê você usa aquilo?", simplismente porque eu tenho o direito, e ainda existem marcas coerentes com a qualidade dos produtos que fazem e a propaganda que veiculam. O que estiver fora de tudo isso, é porque eu comprei na promoção, e paguei, no máximo, a metade do valor original.

Precisamos parar de fazer pessoas babacas famosas. Pessoas sem nada a oferecer, a não ser apenas uma "arte-de-domínio-das-massas", ou que as vezes tem tão pouco, que oferecem o corpo (o que eu considero muito pior do que não oferecer nada). Ligue a sua TV na tarde de um domingo e veja o que temos. Essas pessoas usam tudo isso.

Vamos dar vozes aqueles que merecem ser ouvidos, e olhar aquelas vitrines que realmente tem algo a nos oferecer (difícil). Você não seria mais feliz porque tem o que o manequim usa. Talvez seria mais triste, porque não teria como administrar tantas coisas.

Talvez a brincadeira das japonesas faça sentido para elas, porque talvez elas banalizam tudo isso. Ou talvez elas queriam ser como o que viram na vitrine da loja americana. Me conforta pensar que a primeira opção é a verdadeira, mas os "talvezes" nesta frase me deixa confuso.

Imagem retirada do Pinterest através do Google Images.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

2007 - Into The Wild (PT-BR - Na Natureza Selvagem)

1983 - Danton

Filme Nise - O Coração da Loucura